Diz
o clichê que São Paulo gosta de correria
-e parece que é pura verdade. Nos nove
meses deste ano, a FPA (Federação
Paulista de Atletismo) já atuou em mais
corridas no Estado de São Paulo do que
nos três anos anteriores somados. Foram
80 eventos contra 11 em 2001, 17 em 2002 e 34
em 2003.
A
explosão, iniciada lentamente nos anos
90, é confirmada por organizadores de corridas,
treinadores, federação de atletismo,
gente ligada ao marketing esportivo, médicos
e corredores.
Não
é só o número de eventos
que cresce, mas o de corredores. A corrida do
Centro Histórico de São Paulo reuniu
700 participantes na primeira edição
em 1996, e chegou aos 6.500 neste ano. A Corpore,
uma ONG que organiza treinos e corridas, tinha
em 1992, cerca de 200 cadastrados e hoje registra
75 mil corredores de ruas e parques.
Obviamente,
a atividade virou também um grande negócio.
Só em inscrições, segundo
a FPA, esse mercado vai movimentar R$ 7 milhões
neste ano no Estado. Dados da Corpore apontam
que cada evento dá trabalho a aproximadamente
mil pessoas, entre socorristas, médicos,
bloqueios, pessoal da medição, inscrições,
organização, arbitragem, montagem
de kits, placas, palcos, grades e barracas.
Fora
o pessoal de marketing e comunicação
das empresas patrocinadoras, o de apoio das empresas
participantes e os empregos indiretos, explica
Alfredo Donadio, 53, diretor de comunicação
da Corpore, corredor há mais de 20 anos,
com pelo menos 20 maratonas no currículo.
O
investimento dos grandes fabricantes de material
esportivo e o aumento dos personal trainners,
um fenômeno dos anos 90, também puseram
os sedentários para correr. "A nova
mentalidade desses profissionais, de que correr
não é só chegar nos primeiros
lugares, mas superar suas próprias marcas,
ajudou muito. Academias montaram grupos, empresas,
condomínios", afirma Donadio.
Há
dois anos foi criada a ATC (Associação
dos Treinadores de Corrida de São Paulo),
com 85 professores de educação física
associados e registrados no Conselho Regional
de Educação Física.
"É
uma prática barata e acessível,
um meio de melhorar a qualidade de vida e ainda
facilita a sociabilidade", comenta o presidente
da ATC, Cláudio Roberto de Castilho, 35,
também um corredor, que há duas
semanas disputou a meia maratona de Buenos Aires.
"E você não muda só a
forma física. Mudam o comportamento, a
cabeça, o estilo de vida, os objetivos,
os amigos", afirma Donadio.
Corrida
corporativa Além do incentivo
pessoal, a prática de correr também
tem ajudado na melhoria do ambiente de trabalho.
Tanto que a Corpore criou até um ranking
corporativo para suas corridas. Funcionários
das empresas literalmente vestem a camisa e seus
desempenhos somam pontos no ranking corporativo,
do qual participam BankBoston, Bovespa, Itaú,
Laboratórios Fleury, Pão de Açúcar,
entre outras.
"O
funcionário ganha auto-estima, valorização
e estímulo. Há mais integração
dentro da empresa, mais produtividade e queda
nas faltas", diz Eliane Abreu, 41, analista
da gerência de Recursos Humanos da Empresa
Municipal de Urbanização, que tem
20 "atletas" no ranking.
Como
qualquer atividade que incentiva o convívio,
nos treinos, nas corridas e no encontro diário
nos parques acontecem também amizades,
paqueras, paixões e até casamentos,
como o do treinador da Competition Ricardo Yamaoka,
41, com a empresária Mônica Yamaoka,
41.
"Entrei
na academia odiando tudo. Queria ir embora dali
na mesma hora", revela Mônica. "O
primeiro ano foi um inferno. Pagava a mensalidade
de teimosa, mais faltava do que ia", conta.
"Mas tomei certa disciplina no segundo ano
e me fez bem. Sentia falta quando não ia."
Quando
começou a correr, Mônica foi treinar
com Ricardo. "Fomos ficando amigos, nos apaixonamos",
conta o marido. Casados há dois anos, eles
conseguem juntar as agendas de corrida na calçada
central da avenida Sumaré, às quintas,
e nas ruas da USP, aos sábados.
Quem
também vive de agenda lotada, mas se confessa
uma viciada nos exercícios é a apresentadora
e modelo Sabrina Parlatore, 29. "Eu tinha
uma faringite crônica que nunca mais voltou
desde que passei a me exercitar com regularidade.
Corro há três anos e sempre me preocupei
em fazer direito o exercício, morro de
medo de problemas de joelho ou coluna no futuro.
É quase uma obsessão."
Com
certeza, Sabrina não supera Lau Yuen Tang.
Aos 81 anos, ele corre 10 km todos os dias. Bicampeão
da São Silvestre 2002/2003, Tang disputa
na categoria 70-79 anos, porque para a idade dele
nem existe mais faixa. O chinês naturalizado
corre diariamente no Ibirapuera.
O
hábito já dura 41 anos. Lau ainda
faz musculação no Laboratório
de Estudos do Movimento do Hospital das Clínicas.
"Para ter joelho forte quando ficar velho",
brinca o chinês, que não tem doença
cardiorrespiratória, músculo-esquelética
ou endócrina e apresenta níveis
normais de insulina, glicose, colesterol e pressão
arterial. "Não me lembro da última
vez que fiquei doente."
Devagar
com o andor Que a prática de correr
beneficia todo o organismo (veja quadro na pág.
21), é inegável, mas, antes de virar
um Papa-léguas, é preciso tomar
alguns cuidados. "Todo mundo fala, mas não
é demais repetir: nunca comece sem orientação
e sem avaliação de um médico",
alerta Paulo Roberto Santos Silva, 39, fisiologista
do exercício no Laboratório de Estudos
do Movimento do Hospital das Clínicas.
Em
1984, o corredor norte-americano James Fixx morreu
de ataque cardíaco aos 52 anos, enquanto
corria numa estrada. Fixx ajudou a disseminar
a prática de correr nos anos 70 e escreveu
um dos maiores best-sellers de não-ficção
de todos os tempos: "O Guia Completo de Corrida",
lançado em 1977.
Cerca
de um ano antes de sua morte, em Dallas, durante
uma visita à Clínica Cooper -do
professor Kenneth Cooper, que ainda está
vivo e em atividade e cujo sobrenome virou sinônimo
de corrida-, Fixx se recusou a fazer um teste
de esforço, apesar dos níveis elevados
de colesterol. A autópsia revelou entupimento
nas três principais artérias coronárias.
A
princípio, com acompanhamento, qualquer
pessoa pode correr, mesmo quem tem coração
transplantado ou pontes de safena. Mas Silva,
do HC, faz uma ressalva para quem sofre de doença
de Chagas. "Não é aconselhável
porque a doença provoca arritmias sérias
do coração."
O
treinador Yamaoka lembra que também os
obesos não devem começar a malhação
pela corrida. "É um peso excessivo
sobretudo para os joelhos. O obeso deve fazer
exercício orientado, mas seria melhor começar
com baixo impacto, uma hidroginástica por
exemplo", explica.
Durante
o treino ou a corrida competitiva, qual o sinal
amarelo que alerta que o corredor deve parar?
"A dor e a ofegância", concordam
Yamaoka e Silva. "Nenhum exercício
deve doer. Se dói, a pessoa está
fazendo errado ou o corpo fatigou, portanto é
bom não exagerar", diz Silva. "Muitos
dizem: 'dói o joelho ou as costas, mas
só um pouquinho'. E continuam. Você
vai sentir os efeitos desse 'pouquinho' anos mais
tarde", afirma Yamaoka.
A
ofegância ocorre pelo aumento de uma substância
que deveria ser metabolizada nos músculos
durante a respiração, o lactato,
mas como o corredor está chegando a seu
limite aeróbico, passa a acumular lactato
e tenta então respirar mais e mais pela
boca para aumentar a quantidade de oxigênio.
O jeito é parar.
"Não
parar imediatamente, de modo abrupto. Ir reduzindo
o ritmo até caminhar e parar", explica
o fisiologista. Aos poucos os níveis voltam
ao normal.
Para
saber o limiar aeróbico, é necessário
fazer um exame ergoespirométrico, aquele
da corrida na esteira com máscara de respiração.
As academias fazem e os planos de saúde
cobrem. Mas uma consulta a um clínico geral
ou a um cardiologista, mesmo na rede pública,
já é um bom começo. Também
é recomendável um eletrocardiograma.
Outro
alerta importante dos profissionais é não
correr de barriga vazia. Faça um lanche
leve, com suco, fatia de pão e queijo e
fruta ou iogurte antes de correr. E água.
Muita água. É necessário
tomar dois copos antes e depois e, coisa que os
iniciantes talvez não saibam, se hidratar
também durante o treino. No máximo
de meia em meia hora. "É bom beber
antes de sentir sede", aconselha Yamaoka.